domingo, 30 de março de 2008

10 de março


Se eu tivesse certeza de uma morte tranquila, eu pediria que me construíssem um barquinho confortável onde eu pudesse me acomodar deitada e que o pusessem no mar.
Eu gostaria de ter feito uma boa refeição antes para não ser incomodada pela fome, e de ter batido muito em alguém que merecesse e não reagisse para haver cansaço, mas não culpa ou hematomas.
Seria bom garantir que eu não sofreria qualquer alteração nos batimentos cardíacos, espasmos ou sustos. Talvez pudesse haver uma droga que fosse apagando os meus sentidos aos poucos e de maneira indolor. Eu poderia então assistir o Sol se esvaindo para depois dormir meu sono eternamente embalado pelo mar.
E seria poético: diriam da proximidade do meu nascimento e morte e se inquietariam com a incompletude do ciclo de meus anos.
Os rasos fariam a associação peixe/mar, os sensatos se perguntariam sobre a qualidade do revestimento de minha cama de morrer, e talvez até alguém pensasse em Guimarães Rosa.
Poderia ser que fizessem piadas. Ou que meus planos falhassem e eu me afogasse ao invés de boiar. E então fizessem piada disso, uma piada pronta ainda que morta.

domingo, 9 de março de 2008

Festival de Apartamento - Formulário Contínuo



Silêncio. Rodrigo prepara papel e máquina e eu (Ludmila) me preparo para reagir aos sons que ele tirar deste "instrumento".

Enquanto danço os sons da máquina de escrever, Sechi começa a insistentemente colar adesivos no meu corpo, batendo em cada um deles e me oferecendo mais sons além da máquina.
Sechi e eu: interação, movimento, cansaço.

Pela natureza dos sons, o improviso dos meus movimentos se dá de maneira quebrada

O percurssionista se rende.

Ao apagarem-se as luzes, percebe-se que os adesivos do Sechi eram letras fosforescentes, e elas ficam todas espalhadas pelo chão e pelo meu corpo que devagar cessa os movimentos.
Visível apenas para os olhos... impossível de se registrar com câmeras.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Darkson

No fim do mundo é sempre noite e há somente uma rua, iluminada de amarelo. Na rua, um velho carregando nas costas uma cadeira por toda eternidade em seu passo curto. Ao seu redor, zumbis do Romero se acotovelam sob uma placa onde se lê "Ateliê de Beleza".
Lá não há pudores em se dispensar as cinzas, a bituca e tudo quanto for resíduo de cigarro no chão imundo.
Sim, eu estive lá. Garanto minha passagem de volta comprando-a diretamente das mãos de um atendente de nome Darkson. A ele não preciso mais informar meus destino e horário: tem sido assim às segundas, terças, quartas e sextas.

15 de Março

Um castor com cara humanóide escarrado com o cu na parede de uma madeireira me lembra as figuras de um jogo que eu tinha quando criança. Era o Jogo do Mico. Vai ver, naquela época, escarravam com o cu nos jogos para crianças.
Eu vivo entre as crianças e gosto de muito poucas. Eu sou uma criança e gosto de ter as coisas ao alcance das mãos.
Uma vez um cara leu a minha mão e disse que eu não faria muitas viagens na vida. E que porra é essa de ir e vir todos os dias nestes ônibus toscos para cidades de merda? O sobrenome do cara que leu a minha mão é "Leão". Me lembra a história da Dorothy.
Se eu tivesse sapatinhos mágicos, eu não os usaria para ir e vir mais rápido das cidades de merda, mas talvez ficasse com a parte do tornado... Um tornado que arrancaria das bocas todos o "r" (por que as pessoas do interior têm de puxar o "r"?). Eu sou do interior e não puxo e "r".
Mentira: eu não sou mais do interior, mudei as circunstâncias do meu nascimento. Eu agora sou filha de Napoleão (Leão!) Bonaparte, Nabucodonosor, Nina Simome, Neil Gaiman, e todas as outras grandes figuras começadas com a letra "N"... Mas continuo gostando do do dia 15 de Março, é dia do Circo.