sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Viagem a Aracaju

Eu voltei de Aracaju tem três dias. Foi a segunda capital do Nordeste que eu conheci (a primeira foi Fortaleza) e ela me deixou uma mistura de ressaca com nostalgia, talvez semelhante ao que a gente sente quando experimenta o primeiro rompimento amoroso, aquele um que a gente nem ousou beijar, mas só de segurar na mão já tinha princípios de taquicardia.
Mesmo com seus ônibus lotados e trânsito maluco, a capital sergipana tem algo de mágico, especialmente se a gente conseguir se desgrudar da onda turística que prevê o olhar apressado em mil atividades por dia, acumuladas em fotos e mais fotos sem que nada nos atravesse de fato. Eu fiquei dez dias lá, e não fiz os passeios que as agências de viagem tentavam me empurrar.
Comecei o namoro com Aracaju pelo Conjunto Orlando Dantas, bairro da periferia. Lá milhares de famílias vivem em situação de pobreza, não tem nenhum cartão postal e não é bom colocar o nariz de fora depois das 20h. Eu tive medo e descobri com que porção de pobreza se faz uma cidade turística. Entre os mercadinhos abarrotados de produtos dissonantes e lanchonetes em que se vende lanche e refrigerante a R$7,50, descobri Aracaju de todo dia. Lá as pessoas não usam capacete para andar de moto, nem cinto de segurança nos carros. E não é só lá.

Caranguejo gigante
Me mudei para um hostel a duas quadras da “Passarela do Caranguejo”, na “Praia de Atalaia”, região que é marco do turismo na cidade. Na tal passarela, um caranguejo descomunal, feito em fibra de vidro, repousa feliz, sempre com turistas empoleirados e outros fingindo ser capturados por suas pinças. E fotos, muitas fotos. Por toda a avenida há bares onde se pode comer o bichinho, com direito a martelo e tábua para quebrar sua casca. Mas só na época do caranguejo grande, que agora eles estão criando, estão muito miudinhos. Não pode vender porque o bichinho nem tem carne. E se o fiscal pegar, é multa. Explicou a garçonete de um dos bares, que é uma gostosura de pessoa, assim como a maioria das que encontrei. Nessa via há parques infantis a céu aberto, além dos monumentos aos poetas (um coletivo de estátuas de bronze, cada uma numa posição e nenhuma mulher entre elas) e aos fundadores da comunidade (outro coletivo de estátuas de bronze que supostamente tem um representante de cada povo formador do Sergipe), e os lagos, onde há banquinhos onde se sentar e fazer nada. Em toda essa região há ciclovias, e postos onde se pode alugar bicicletas.
A simpatia é uma marca sergipana. Facilmente as pessoas desviam do caminho para indicar a rua que você está procurando e, em situações de compra, seguem conversando animadamente, mesmo que você não leve nada. Numa das perambulações fomos a São Cristóvão, uma cidade vizinha que abriga um Centro Histórico. Lá, comemos num restaurante muito simples, mas igualmente bom. Tinha pimenta de cheiro e uma amiga comentou que não encontrava essa espécie em São Paulo. A cozinheira veio até a mesa com três pimentas e deu a ela, disse que era para levar e plantar. Assim, de amor.
São Cristóvão, foto divulgação
São Cristóvão é a terceira cidade mais antiga do país. Ela era a capital do Sergipe antes de Aracaju. Há uma coleção de igrejas e por elas se pode ter alguma noção da divisão de classes desde o século XVI. Lá está a Igreja dos Pardos que, obviamente, não podiam frequentar as dos brancos. A cidade é bonita e tem ainda o ateliê do artista Nivaldo Oliveira, que faz peças em xilogravura. Ele é um boníssimo papo e gosta de explicar o processo de feitura das peças. É possível comprá-las a preços acessíveis. Há lojinhas onde se vendem iguarias como licor de jenipapo e cocada de forno e, ao menos quando fomos, os museus estavam quase todos fechados. A cidade parece um pouco abandonada. Para chegar, tomamos um ônibus do Terminal Atalaia ao Terminal Rodoviário e com a mesma passagem, tomamos outro para o Centro Histórico de São Cristóvão.
No hostel formou-se um grupo bastante especial que topou driblar as agências de viagem na ida à “Crôa do Goré”. Tomando um ônibus circular do Terminal Atalaia, chegamos à “Orla Pôr do Sol”. De lá saem os catamarãs, barquinhos que nos levam até a Crôa. Por R$20 se tem direito a ir a voltar com eles.
Crôa do Goré foto divulgação
A Crôa foi talvez o passeio mais incrível que eu fiz. Sem dúvidas foi quando o amor ganhou força. Trata-se de uma ilha no rio Vaza-Barris, que tem mangue. Conforme as horas passam, a maré baixa e emergem bancos de areia com pequenas piscinas naturais. Nelas se pode passar horas observando o balé dos caranguejos “chama-maré”, que têm um braço só e entram e saem freneticamente dos buraquinhos na areia. Por causa deles as aves também vão até lá, na tentativa de captura-los. Junte-se a isso tudo um pôr do sol maravilhoso, tingindo as piscinas de laranja e vermelho.
Há um bar móvel atracado na Crôa que vende bebidas e petiscos. Sua equipe mantém pequenos chalés com cadeiras plásticas onde se pode passar o dia. Há aluguel de stand-up padlle mas preferimos nadar no rio por nós mesmos. Aliás, por estar em contato com o mar, sua água é bem salgada. O último catamarã sai às 17:30 e foi nesse que voltamos, pegando ainda um pouquinho do pôr do sol na orla  de mesmo nome. Lá há um bar chamado “Zodíaco” que vende a melhor moqueca de camarão que eu já comi e pela qual valeu esquecer o temporariamente o vegetarianismo: com maxixe, acompanhada de um pirão fantástico, vinagrete e arroz. O prato é para dois, mas serve três, e custa R$62. O dono é simpaticíssimo e chegou a sentar-se à mesa conosco quando descobriu que alguns de nós éramos atores. Ele também.
De volta à Atalaia, fomos à “Casa de Forró Cariri”, pertinho do caranguejo monstruoso grande. O bar tem dois ambientes e no primeiro toca toda uma gama peculiar de músicas entre axé e samba. Ali, só se paga pelo que consumir. Para entrar na casa de forró, passa-se por esse ambiente e é preciso pagar R$25 por pessoa. A casa não estava cheia, mas era muito animada. Os tocadores vêm às mesas tocar para nós e perguntam de onde viemos, colocando o nome do lugar na música. Como estávamos num grupo grande, fizemos toda a folia possível, incluindo rodas de Côco de que a maioria das pessoas na casa participou. No dia seguinte, duas das meninas do nosso grupo passaram em frente ao lugar e um dos garçons as reconheceu. Ele perguntou se voltaríamos naquela noite. Simpatia sergipana.
O passeio ao Mercado Municipal também é possível tomando-se ônibus circular. São três prédios, cada um com uma especificidade de produtos. Destaque para o Mercado dos Artesãos e a encantadora profusão de objetos de palha, couro, madeira e algodão. Mas bom mesmo foi passar a tarde em um dos botequinhos simples, dentro do  mercado mais voltado às comidas, tomando cerveja.
Mercado dos Artesãos

Me mudei de novo, dessa vez para “Coroa do Meio”, praia onde funciona o “Projeto Tamar”, esse sim, lamento por não ter visitado. Fiz o meu primeiro passeio sozinha, até o “Museu da Gente Sergipana”. Situado num casarão colonial, o museu é interativo e retrata a história, geografia, flora, fauna e cultura dessa região, a entrada é gratuita e há monitores e monitoras em cada uma das salas. Destaque para o labirinto que se ilumina à medida em que o visitante avança, e que traz áudios com a o sotaque delicioso contando histórias folclóricas dali. Como a lenda de que o sétimo filho homem da família, se não tomar uma série de cuidados, transforma-se em lobisomem.
No museu há o “Café da Gente”, que abriga exposição fotográfica temática, além de ser bastante aconchegante. Lá vendem-se comidas típicas, além de saborosos pratos a la carte. Comi filé de pescada ao molho de manga com feijão fradinho e vinagrete. Fico com a boca cheia d´água só de lembrar do prato.
Museu da Gente Sergipana

Quase todos os dias em que tivemos fôlego, fomos à “Feira de Sergipe” (pense numa coisa boa!). Nesse ano ela acontece de 10 a 25 de janeiro e traz uma infinidade de produtos de artesanato, gastronomia, além de apresentações típicas como as Quadrilhas e o Cavalo-Marinho, sempre a partir das 17h. Fomos à feira para jantar, beber, dançar, comprar lembrancinhas da viagem. E era sempre bom, como diz o slogan.
Outro destaque de Aracaju são os sorvetes. Pertinho do tal caranguejo estranho bonitinho (não tem jeito, ele acaba virando referência), há a “Rivage Sorveteria”: lá eu provei as iguarias de cajá, mangaba, tapioca e nata goiaba. Mas a fruta preferida, a descoberta do verão, não só para sorvetes como para sucos e para morder mesmo, foi o umbu. E o paraíso na terra chama-se “embuzada”, doce vendido na tal feirinha boa.
No meu último dia em Aracaju, resolvi caminhar pela orla de Coroa do Meio à Atalaia. Lá a orla é bem distante do mar, então há um percurso relativamente longo de areia até a água. Haja sola de pé e chinelo de borracha. No mais, tem alguns quiosques onde as pessoas se abrigam em guarda-sóis enquanto consomem nas barraquinhas. Não é comum que se aluguem barracas e cadeiras, nem que as pessoas os levem de casa. A areia é bastante suja, e eu encontrei desde garrafas plásticas e côcos vazios a cacos de vidro. A temperatura do mar é deliciosa, especialmente para quem, como eu, está habituada ao litoral Sul do país. Além do que, ao menos ali em Atalaia, as ondas não quebram: é possível avançar um bocado no mar sem que a água passe do peito (e olha que eu sou baixinha).
Terminei o domingo assistindo a uma aula de Maracatu no Posto 16, em que o Mestre explicava pacientemente o andamento de cada instrumento, ao lado de uma pista de patinação e skate. Depois jantei “macaxeira de camarão” no restaurante da frente, do qual, infelizmente não lembro o nome, mas que é vizinho da “Casa de Forró Cariri”. O prato tinha uma camada de molho de camarão, outra de macaxeira e por último uma de queijo coalho gratinado. Pense em outra coisa boa! E barata: R$ 28 acompanhado de suco de umbu, claro!
Não fui ao Xingó, onde a gente nada no velho Chico, entre os paredões. E não fui porque eram de três a quatro horas e meia para ir e outras três a quatro e meia para voltar. Isso porque se você não vai com carro particular, as agências turísticas fazem paradas para foto e compra de souvenirs. Nem fui ao “Mangue Seco”, que era já divisa da Bahia e não consegui descobrir como ir sem ficar a mercê dos bugues. Mas eu sei que volto, quem sabe menos bronqueada com a venda do que devia ser de todo mundo.
Cabe dizer, ainda, que eu me mudei tantas vezes em poucos dias porque as pessoas me receberam em suas casas. Umas por preços simbólicos, outras pela troca de ideias e perspectivas. E essa minha saudade de Aracaju, claro, tem a ver com quão incrível é a cidade. Mas tem muito mais a ver com as delícias de pessoas que conheci. Esse é um texto de agradecimento e satisfação por vocês terem restaurado um pouquinho da minha fé na humanidade. Obrigada.