quinta-feira, 16 de julho de 2009

Manuais



Eu costumava dizer que todo mundo devia fazer Artes Cênicas algum dia... E justamente por ter escolhido fazê-lo, topei ainda com as profissões de garçonete e de Call Center. Como a resultante monetária em quaisquer dessas profissões não é lá muito interessante, melhor é torcer para que me tragam algum crescimento ético. Enquanto isso fica aqui um registro azedo das minhas experiências, disfarçado em dicas de bom convívio:


O Ator:

  • Se você perguntar a alguém o que ele faz e a pessoa te responder que é ator (músico, artista plástico...), não emende coisas como “Ah, que legal... mas qual o seu trabalho?”. Isso denota ignorância, e até alguma arrogância presente na idéia de que você sabe quais são as atividades que podem ser consideradas profissões e quais não;
  • Não pergunte se a pessoa tem por objetivo conseguir trabalho na Globo. Esta emissora, embora disponha de muitos recursos, produz coisas medianas e que nem sempre interessam ao ator. Além disso, há uma série de outras coisas envolvendo interpretação que ele possa querer fazer;
  • Às pedagogas, coordenadoras, diretoras e afins: não peça ao seu professor de teatro para montar uma “pecinha” de “Dia das Mães/ Pais” ou coisa do gênero; para montar “pecinhas” você pode contar com “qualquer unzinho”, não precisa de um profissional;
  • Não seja inconveniente: quando uma pessoa disser que é ator, não diga coisas como “Ah, é? Faz uma cena para mim então!”. Intimar alguém a provar algo relativo a qualquer aspecto de sua vida é quase sempre uma atitude grosseira e que pode irritar;
  • Aos Prefeitos, Secretários, Organizadores, etc: não peçam para que os atores se apresentem gratuitamente. Além de ser uma canalhice, este pedido desconsidera que, além de comer, vestir e ter outras necessidades básicas ou não, atores pagam impostos, contas de água, luz, etc. como todas as outras pessoas (excetuando os nossos governantes, claro).


O Garçom:

  • Ao chegar num estabelecimento, se ele te saudar, não deixe de responder;
  • Não o chame com um assovio, nem “psius” ou coisas do gênero. Se ele estiver usando um crachá, será de muito bom tom chamá-lo pelo nome. Se não, levante a mão e ele virá até você;
  • Só o chame quando você tiver feito a sua escolha ou se desejar que ele lhe dê alguma sugestão: perguntar que pizzas, sucos ou pratos há na casa está fora de questão: um garçom não dispõe de memória incomum, e o fato de ele trabalhar em uma casa não significa que tem de ter decorados todos os produtos que ela oferece, é para isso que servem os cardápios;
  • Se quiser mudar de mesa após ter feito um pedido, avise a ele. Assim ele fará a transferência devidamente e isso evitará que ele tenha, por exemplo, que arcar com produtos que “sobrarão” sem pagar no fim do expediente;
  • Seja gentil: no caso de o seu pedido estar demorando a chegar, diga isso ao garçom e peça, por favor, para ele verificar. NÃO GRITE: ele é somente a pessoa que entrega os produtos aos clientes, portanto, o motivo da demora está, possivelmente, nos setores anteriores;
  • Facilite: não fique com os braços na frente do prato ou com os talheres dentro dele quando o garçom for te servir ou recolher a louça após a refeição. E não há problema algum em erguer o seu prato à altura que ele possa alcançar;
  • Não peça para que ele corte o alimento para as crianças: possivelmente ele ficará constrangido com esse pedido além, é claro, de ter mais coisas para fazer. Essa é uma tarefa do responsável pela criança;
  • Ao fumante: leve consigo o seu isqueiro ou fósforo: nem sempre o garçom tem um para emprestar e, se você chamá-lo a cada vez que for fumar um cigarro, pode atrapalhar o seu trabalho;
  • Caso você perceba que está havendo na casa uma movimentação de encerramento (facilmente reconhecível por cadeiras empilhadas), procure demorar o mínimo possível: depois que você for embora ainda haverá muito trabalho a ser feito e a maioria das pessoas que trabalha neste tipo de estabelecimento não recebe hora-extra;
  • Poucas casas repassam os 10% cobrados na conta aos seus garçons, portanto, deixar para eles uma quantia em dinheiro, ainda que pequena, é uma atitude altamente elegante.


O Call Center:

  • Fale devagar e claramente: muitas vezes a aparente debilidade do atendente se deve aos aparelhos obsoletos de que dispõe;
  • Não inicie a conversa com xingamentos, isso só fará com que ele tenha menos vontade de atendê-lo;
  • A culpa pela falha pela qual você ligou para reclamar quase nunca é dele, portanto, procure obter o máximo de informações com a maior tranqüilidade possível para então, se for o caso, dar entrada a queixas junto a órgãos de defesa do consumidor;
  • Agradecer, desejar um bom dia ou qualquer outra gentileza tornará o atendimento menos ruím para ambas as partes.
Para Cassi

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Empirismos


Acordar de madrugada. Um milhão, novecentos e sessenta mil, duzentas e quarenta e cinco culpas a purgar, multiplicadas pelo número imaginário de vezes em que meus interlocutores possam ter tomado alguma atitude minha como arrogante, seguida da constatação de que sou um ser humano deplorável. No segundo seguinte, o mundo é que é mal, e ele que se foda. Onde já se viu: A Pina Bausch morre e o Michael, que a essa altura já está apodrecido, é que tem os louros.
***********************************************************
Tenho uma amiga que estava sofrendo porque desconfiava que o namorado a estava traindo. Ligava a cada cinco minutos para saber onde ele estava e suspirava triste: Ele vai me trair. No mesmo dia, lhe veio a solução: saiu com as amigas, beijou um cara e ficou apaixonada. Mas tanto, que resolveu terminar com o namorado...
************************************************************
Depois que aprendi a dobrar cachorros, nunca mais dobrei corações: cachorros são origamis mais simples, e não tem tanto problema se alguém jogar fora caso você os esqueça na mesa do bar.
***********************************************************
Tinha um músico no piano. Eu achei que ia ser lindo se ele tocasse Autumn Leaves. Pedi. Mas ele pôs notas demais.
***********************************************************
Melhor tentar dormir.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Sobre a normalidade


Para que se exista no mundo gozando de todos os benefícios legais a que seus administradores eleitos garantem, é necesário que se tenha um endereço localizável para que cheguem as contas e encomedas feitas com um número de CPF, que substitui rostos ou maneiras particulares de sorrir por uma função identificatória.
Um endereço também pode servir para que se convidem pessoas, para não apanhar chuva, para que se ter preguiça ou como esconderijo.
Numa rua há sempre casas e nas casas, os outros. Eles são maioria e, sendo assim, ditam as regras da normalidade e as obedecem de bom grado ao assistirem à TV no domingo e rirem dos pequenos acidentes flagrados por câmeras caseiras tão periodicamente quanto se houvessem placas avisando quando rir e quando cessar o riso.
Torcer por times de futebol, contar piadas sobre minorias, fazer sexo ensaiado e aos berros, como a TV diz que deve ser quando se está contente e , acima de tudo, fazer muito barulho também são ações muitíssimo apropriadas ao sentimento de coletividade, essencial para um bom convívio entre vizinhos.
Não gostar de futebol, nem de programas dominicais, nem permitir que a subjetividade seja adestrada, e - absurdo dos absurdos! - se incomodar com o som da alegria alheia, certamente configura um comportamento inadequado, grosseiro e, por fim, inimigo. E, para essas pessoas, que são maioria no mundo, não há outra maneira de lidar com um inimigo que não combatendo-o.
Obviamente, este tipo de combate não tem eficiência se travado com argumentações visando a acordos, porque essas são ferramentas em desuso, além, é claro, de serem subterfúgios de gente frouxa.
E no caso de se estar lidando com gente frouxa, é uma estratégia muito eficaz deixar claro que seus intereses não são partilhados com a comunidade em que esta (não) se insere. E, se ainda asim houver insistência em atitudes que destoem do todo, recomenda-se que se formem bandos e, como uma manada, se instalem no caminho desse indivíduo metido a besta da maneira mais intimidadora possível.
Esta sim, e uma estratégia altamente eficiente: uma vez que sua inclinação seja refletir, se conseguirá que esta gente fouxa e metida a besta passe uma tarde inteira pensando sobre sua função no mundo e, com sorte, pode-se mesmo conseguir com que se deprima ao constatar sua insignificante força de expressão mediante à imbecilidade reinante o que, certamente diminuirá sua potência de contestação ao menos temporariamente.