quinta-feira, 10 de julho de 2014

Um beijo para a galera do "Tudo vai mal".

Na foto, Dona Rose, minha mãe

Só para lembrar: em 1993 meu pai estava desempregado, e minha mãe se virava com os gastos da casa e dos filhos. Porque o desemprego atingia altos índices, e chegou à nossa família... à do vizinho, ao bairro todo. Não adiantava que meu pai soubesse disso. Ele como a maior parte dos homens de sua geração, se sentia fracassado.
Também por essa época, a gente usava duas vezes (ou quantas dessem) a mesma água da antiga máquina de lavar, herdada da minha avó. Para economizar e porque só havia uma marca multinacional de sabão em pó no mercado, e era cara. Não tinha essa de haver pequenos e médios empresários, nem empresas genuinamente nacionais. Então, não havia nem marcas nem preços a escolher. Nem emprego, como eu disse.
A gente se organizava muito rigidamente com o ordenado da minha mãe, ia ao supermercado de manhã e comprava dez itens do mesmo produto. Por quê? Porque havia o URV, e os produtos custavam um preço de manhã, um à tarde e um à noite, sempre mais caros. Por isso a gente buscava estocá-los. E dez era a quantidade máxima que cada pessoa podia comprar.
Fazer faculdade era um luxo que não se destinava aos filhos da Dona Rose (minha mãe). Porque as universidades estavam nos grandes centros, longe do interior. Não era possível se deslocar até eles, sequer morar neles. Também não existiam cotas, nem FIES, muito menos EAD: o contingente universitário restringia-se aos filhos de quem podia pagar por boas escolas.
Porque eu estou fazendo esse panorama catártico da minha infância/adolescência? Não, não é para evocar piedade. Mas porque esse historia não é só minha. Mesmo que pareça haver um surto de amnésia rolando pela minha timeline. Ou de desconhecimento.
A galera que tem prisão de ventre e põe a culpa na Dilma só pode desconhecer a situação em que vivíamos a 20, 15 anos atrás. Ou então, passou por uma melhora financeira tão grande que, numa síndrome de vira-latas, procura negar o que aconteceu.
O índice de desemprego despencou, nossos aeroportos estão LOTADOS, as pessoas têm gasto os tufos para assistir a musicais ruins de padrão importado, compram Ipods, trocam de computador, de mobília, de carro como quem troca de roupa e, ainda assim, entoam o "Tudo vai mal".
Não estou dizendo que tudo está às mil maravilhas. Quem, como eu, fez a infeliz escolha de trabalhar com arte e com educação, sabe a desgraça de ter de ensinar, a cada ano, as funções do ponto final, vírgula, sujeito, verbo e predicado, antes de poder captar qualquer esboço de ideia nos textos de seus alunos. Ou de insistir que os fenômenos artísticos não se regimentam nem se resumem ao gosto pessoal. Mas quem pode duvidar de haver algum valor em lecionar para alguém do Pirapozinho, Mandaguari, Louveira?
Claro, a melhora no poder aquisitivo não é sinônimo de melhora no desenvolvimento humano. Vide o esvaziamento concreto que algumas vidas sofreram com a derrocada do time brasileiro na Copa. Ainda temos muito que caminhar em direção à autonomia e à maturidade. Mas, sinceramente, o tema das reclamações sequer roça esse ponto.
Então, por favor: a menos que seu aborrecimento seja por ver a gente pobre de 93 ocupando os mesmos espaços que você (e se assim for, desconsidere esse texto, nós não temos porque conversar), pense um instante antes de reproduzir um discurso tosco, coxinha mesmo. Ah, sim: e nunca é demais procurar saber quais são as jurisdições federais, do Estado e do Município antes de bradar sua insatisfação com "o governo".
E para aqueles que desejam saber o desfecho da minha historinha: meu pai hoje está para se aposentar. Minha mãe, que fazia quitutes para engordar o orçamento, agora tem seu próprio restaurante. E eu estou fazendo doutorado em uma e lecionando em outra universidade pública. 

Nenhum comentário: