segunda-feira, 13 de maio de 2013

Amor do outro por si.



De repente você, de cara limpa e olheira funda, no final de mais um dia de trabalho, se dá conta de que mudou de hábitos. Não vai ao samba. E está certo porque, afinal, amanhã o dia começa mais cedo do que nunca. Mas a verdade é que você, devagar e sem perceber, abandonou o senso de solteirice crônica. Não fosse isso e a essa hora lá estaria você, gastando as chinelas. E el@ nem te pediu para não ir. Nem pediria. Você não estaria assim, tão entregue, a alguém que te pedisse um troço desses. 
Você não vai por causa de um novo cuidado consigo. Esse de dormir direito, não fumar, manter-se sóbri@. Ao mesmo tempo em que deixa de lado alguns outros caprichos. Você agora não se preocupa mais com o fato de não caber no manequim 36. Aquele no qual você sempre entrou justo e para o que se manteve vigilante com a comida. Se convence mesmo de que no 38 fica mais bonit@. Volta a cozinhar em casa, se martiriza por ter passado tanto tempo comendo na rua. Faz tudo com pouco sal, pouca gordura e prepara bolos e sobremesas mil, cantarolando. Porque a vida há de ser doce. E os amigos merecem uma paga por te ouvir falar tantas vezes no nome del@ enquanto te visitam.
Quando não, você desenvolve ainda algum tipo de responsabilidade partilhada. Algo como “eu preciso cuidar de mim porque o outro sofreria se me passasse algo de mau”. Um amor por si cuja rota atravessa a existência del@. É justamente nesse ponto que os trejeitos, os gestos, as expressões do outro tomam a forma de um povo primevo, recém-descoberto, que nunca teve contato com o homem branco. Ou de uma nebulosa, uma nova espécie marinha, um método revolucionário para desenvolver a criatividade: qualquer coisa que se estude com dedicação, voluntariosamente.
De quando em quando, pode haver momentos em que você não se reconheça e busque, afoit@, pelo fio que te trouxe até esse estado bobo e desprotegido. Como foi mesmo que as suas defesas baixaram tanto e você passou a reparar piedos@ na velhinha da esquina, solitária e rotineira, no portão, usando meias grossas toda seis da tarde? Deve ter sido aquele sorriso, ou a satisfação de uma ideia partilhada. Não. Foi daquela vez em que os corpos se encaixaram até te devolver a sensação de ser um, no corpo da mãe.
Você constata um modo crisálida, no qual as paixões atrofiam por não suportar a suspensão de viver nesse enleio do eu-el@. Ou brotam, coisa distinta. Menos intensas e mais reais, variando numa valsa em que os amantes se plasmam e se afastam. Ainda reflexiv@, você pensa que a incerteza é talvez uma deusa caprichosa e divertida, e não importa muito para onde ela caminhe. Na sua idade nada adolescente, perceber-se nesse estado já é suficientemente feliz.

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