domingo, 22 de abril de 2012

Domingo, antes do inverno



Há pouco comecei a ver um série de TV, na qual, quando se trata de evocar uma situação sombria, algum personagem, dos mais cativantes, diz, grave: "O inverno está chegando". Há um contexto assustador para que a frase tenha efeito na série. Mas, para mim, funciona na vida diária.
Nasci numa cidade quente e passei a infância tomando sorvete e perambulando de calcinha pelo enorme casarão onde vivíamos. Havia um termômetro na parede de um dos quartos, encimado por uma Nossa Senhora em relevo, já gasta. Quando o risquinho vermelho do termômetro chegava bem perto da santa, a gente podia lavar o cachorro e tomar banho de mangueira.
Nesse tempo, com 15° não se ia à escola, porque era um frio absurdo. E eu, invariavelmente, tinha febre, dor de garganta, de ouvido, e saudades de tomar sorvete.
Depois que a vida passou a não caber no casarão, houve uma noite em que experimentei 3° na rua, sem agasalho. Mas então eu não tinha vinte anos, e estava de braços dados com amigos tão ou mais bêbados. O mundo e todas as suas certezas era nosso. A gente ria, cantava e sabia tanto de um certo músculo bombeando vida em nós, que nem nos dávamos conta dela.
Foi perto dessa época que eu tive um dos meus maiores amores do mundo - são três, pelos quais, me sinto agraciada - , e o frio teve cheiro de sexo. Mais do que isso: o frio passou a ter uma pertinência nova porque o calor do outro, o nosso calor juntos, era tudo o que se podia querer.
Curiosamente, hoje sonhei com esse moço, com a mesma cara de anos atrás. Acordei em casa: um feliz apartamento de gente unitária. Tem uma pilha de louça na cozinha, uma bagunça civilizada de uns amigos que vieram ontem. A gente não bebeu a ponto de cantar alto ou andar de braço. Porque na nossa idade, a gente já se preocupa com o vizinho... e com o fígado.
O inverno está chegando e eu já tive a dor de garganta da vez. É preciso tirar as roupas pesadas do pacote e pôr prá lavar: o inverno, via de regra, tem cheiro de roupa antiga e pouco usada, carregada de lembranças da última vez que viu a cara da rua.
Um ou dois casacos contam histórias. Uma coleção delas me permite saber, de verdade, que não se morre de amor. Por isso mesmo, neste momento, tudo o que eu podia querer era um dos meus maiores amores do mundo, comigo, debaixo das cobertas. Então, seria bem bom encontrar aberto um lugar que entregasse comida.

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