segunda-feira, 27 de junho de 2011

A última imagem


Sobre velórios, eles são tenebrosos mesmo. Me lembro de, muito criança e pedindo ajuda com a palavra pouco familiar, dizer à minha mãe que não queria ser velada. Ela deve ter respondido, como qualquer adulto razoável – o que nós somos além disso? – que eu não pensasse naquilo por enquanto, mas que o velório era um jeito de os amigos e parentes terem uma última lembrança da gente.

Talvez eu já soubesse, meio sem querer, que não ficava à vontade com a ideia de que minha última imagem fosse pálida e endurecida, possivelmente arrumada com um cabelo que eu jamais usaria em vida.

E no caso de eu ter um fim violento, e precisasse de um caixão lacrado – outra palavra que aprendi no velório, e depois transpus para o universo das embalagens – as pessoas se lembrariam de mim como uma caixa de madeira? E se eu morresse junto com um monte de gente, ia ter que por plaquinha no meu caixão? Mãe?

Fiquei pensando nos meus vestidos até descobrir um com qual eu gostaria que pensassem em mim. Quando se é criança, é difícil projetar a morte para a velhice. Eu queria que as pessoas me lembrassem usando o vestido enquanto brincava, não daquele jeito estático e cercado de lamentações.

Ainda hoje odeio funerais – sim, há quem goste – e eles me deixam com um efeito colateral anárquico. Examino a minúcia das ações humanas e não vejo nelas o menor sentido. Depois passa, e eu acabo achando bem bom poder cruzar a rua e comprar pães frescos.

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