segunda-feira, 30 de março de 2009

Festivais de Apartamento



No último dia 14 de março aconteceu, em São Paulo, o V Festival de Apartamento (São Paulo/Ipiranga), dessa vez, como o prórpio nome diz, em São Paulo – SP, no bairro do Ipiranga. O evento contou com a participação de 25 artistas de São Paulo e região, e a organização dessa edição foi realizada por Ludmila Castanheira, Rodrigo Emanoel Fernandes (dissidentes do Grupo AcompanhiA) e pela atriz e performer Thaíse Nardim, também participante do V Festival de Apartamento “Sechiisland”, (em Campinas).
O conceito de Festival de Apartamento vem do neoismo e, uma vez que estes artistas pregassem o plágio criativo, foi apropriado pelo extinto Grupo AcompanhiA. Para a realização de um Festival, diziam eles, não é necessário mais do que vontade: um espaço e pessoas interessadas em desenvolver, participar, assistir a linguagem da performance art.
O evento surge da compreensão de que a performance no Brasil habita uma intersecção entre a invisibilidade midiática e a validação de algumas galerias que, mesmo quando se propõe abrigar trabalhos que se utilizam dessa linguagem, geralmente estão pautadas em modelos mercadológicos.
Não é preciso dizer que, no trabalho de diversos performers, a taxa de redundância que facilita e condiciona sua recepção pelo grande público, é insuficiente para que possa haver neles algum reconhecimento mercadológico, já que estes performers caminham de forma autônoma [1] – no sentido de que seu sustento não provém da arte que realizam, nem estão vinculados a qualquer instituição, sendo os únicos responsáveis pela veiculação de suas idéias – atuando em espaços não convencionados como “locais de arte [2] :”.
A performance art não se desvincula de seu contexto cultural, social, econômico, mas, ao contrário do que a rede midiática possa desejar, admite a mutabiliade inata deste contexto, revisitando-o e alterando-o (se) cada vez um pouco, a cada vez estabelecendo novos links para sua leitura e atualizando informações nos corpos do performer e do público. Neste trânsito, as conexões possíveis extrapolam o território próprio da arte em direção a um esmaecimento também dos limites arte/vida.
Embora haja um pequeno núcleo de pessoas que têm propagado essa idéia, o fato de o Festival de Apartamento estar em sua quinta edição, é um sintoma: a idéia de realizá-lo surge emergencialmente, segundo a demanda e desejos de uma arte que vem ganhando espaço mesmo se mantendo fora da rede. De maneira intrigante, podemos observar, no estado de São Paulo, nos útimos dez anos aumento significativo das práticas performativas, que vêm ocupando um importante lugar nas artes presenciais e contando com um número cada vez maior de artistas que pretendem ser identificados com esta corrente.
São torvelinhos invisíveis às grandes instâncias (mercado, mídia, governos, igreja) provocando levantes [3] : abalos pontuais, por um tempo finito, mas definitivos. [4]
Em manifestações que se estabelecem dessa maneira, a arte não se desobriga a depender de órgãos ou instituições que atestem sua validade, mas promove reapropriações de espaços cuja função original não seria abrigá-la: “espaço não preexiste ao uso que se faz dele; é, ao contrário, o uso que define o lugar como lugar, que tira o espaço de sua neutralidade ‘natural’ para artificializá-lo, ou seja, habitá-lo” (Cauquelin, 2005, p. 142)
O aumento das práticas performativas que extrapolam os circuitos oficias pode estar ligado ao seu caráter fronteiriço, sobrevivendo à invisibilidade midiática e valendo-se dos espaços descaracterizados como locais de arte, talvez justamente por essa necessidade de dar vazão a um discurso urgente que não tem espaço em meio à docilidade a que nos habituamos.
Também por isso – e para cada performer um motivo próprio - , faz-se importante criar espaços onde possa haver a fruição de ações performativas e de outras maneiras de subversão: pelas atualizações provenientes destes levantes que se tornam corpo tanto para o performer quanto para o público, produzindo condições geradoras de potências de um comportamento marginal capaz de fissurar, ainda que momentaneamente, convenções já bastante arraigadas, reorganizando a rede de maneira favorável ao indivíduo.

CRONOLOGIA DO FESTIVAL DE APARTAMENTO:


Julho de 2007 - I Festival de Apartamento Sechiisland, por iniciativa de Rodrigo Emanoel Fernandes e José Roberto Sechi;
Fevereiro de 2008 – II Festival de Apartamento Sechiisland, de Rodrigo Emanoel Ferandes e José Roberto Sechi, contando com a participação de Valéria Coitamich e Viviandran, respectivamente de Argentina e Chile, além de Ludmila Castanheira, Thiago Buoro, Letícia Tonom, Ieda Genizelli e Snadra Bretas
Junho de 2008 – III Festival de Apartamento Viviandran, organizado pela artista plástica participante do evento anterior e que dá nome ao festival, no Chile, com Marcela Rosen e Fir.
Agosto de 2008 – IV Festival de Apartamento “Sechiisland (em Campinas”), organizado por Rodrigo Emanoel Feranandes, José Roberto Sechi, Thiago Buoro e Ludmila Castanheira, em sua residência. Festival do qual participou Thaíse Nardim, além de Adriel Visoto, Flávio rabelo, Gilio Mialichi, Isabella Santana, João de Ricardo, Rodrigo Scalari e Viviandran.
Março de 2009 – V Festival de Apartamento (São Paulo/Ipiranga), organizado por Rodrigo Emanoel Fernandes, Ludmila Castanheira e Thaíse Nardim, com os artistas Aira Bonfin, Adriane Gomes, Carina Casuscelli, Diego Ávila, Carolina Nóbrega, Fernando André Ramos, Flávia Paiva, Flávio Rabelo, Gerrah Tenfuss, Guilherme Godoy, Juliana França, Juliana Ladeira, Larissa Alvanhan, Luanah Cruz, Marília Coelho, Marilia Del Vecchio, Marisa Levino, Monica Augusto, Murilo de Paula, Priscila Menucci, Rita Tatiana Cavassana e Tiago de Mello.

[1][há um] desconforto dos profissionais que querem permanecer fiéis à imagem que fazem do seu trabalho (eles são os descobridores, defensores da inovação, os amantes da arte, os juízes experts na questão da qualidade das obras), ao mesmo tempo constrangidos pela existência de uma rede que adota outros valores” (Cauquelin, 2005. p.82)
[2] Op. cit, p.142
[3] O levante é como um um bacanal que escapou (ou foi forçado a desaparecer) de seu intervalo intercalado e agora está livre para aparecer em qualquer lugar.
[4] A TAZ (Zona Autônoma Transitória) é uma espécie de rebelião que não confronta o Estado diretamente, uma operação de guerrilha que libera uma área (de terra, de tempo, de imaginação) e se disolve pra se re-fazer em outro lugar e outro momento, antes que o Estado possa esmagá-la. Uma vez que o Estado se preocupa primordialmente com a Simulação, e não com a substância, a TAZ pode, em relativa paz e por um bom tempo, “ocupar” clandestinamente essa áreas e realizar seus propósitos festivos (Op. cit, pp.17-18)

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