sábado, 17 de janeiro de 2009

Jurerê



Tarde de sol na areia fofa de Jurerê dos corpos perfeitos, de tudo perfeito. Mar perfeito – uma piscina, sem ondas, a água transparente e fresca. Areia branca, fofa.
Alguém comprou – verbo muitíssimo conjugado em Jurerê – colchões de ar, multicoloridos. Cores de verão. Todos gostaram de boiar por longo tempo nos colchões de ar no mar de Jurerê. Ela também. Ela, ele, o mar... tudo o que de há de melhor no mundo.
Eles dois e mais nada que os pudesse atrapalhar minimamente. Ambos de mãos dadas, cada um em seu colchão. Brincando e rindo, e namorando em Jurerê.
Ela caiu de seu colchão de ar, e percebeu que estava fundo demais no mar. Mas tudo era tão lindo em Jurerê que não havia nada que não se pudesse remediar.
Nadar até perto da orla. Ela nadou muito rápido, mas não chegou na orla, nem perto da orla. Eles estavam muito longe no mar de Jurerê e ela não o via.
Como pôde, tomou um pouco de ar de Jurerê... Nadar de novo, um pouco mais apenas, para chegar à orla.
E de novo a orla estava loonge e a água entrou por sua boca e nariz e ela nadou de novo... Lá longe, a orla. Os músculos cansados. Ela ficou entre tomar ar e gritar com os mesmo pulmões. A água salgada invadindo tudo, se fazendo sentir. Gosto de peixe.. Teve a impressão de que o grito esteve preso junto com ela no fundo do mar.
Gritou e foi tragada pelo mar outras vezes... Ela acreditava que o mar fosse a Grande Mãe, estaria agora sendo trazida devolta para seu grande útero. Ela pensou que era quase tão jovem quanto Laura Palmer.
Viu um pedaço de plástico inflado e multicolorido e se agarrou a ele com meio corpo. Devia ter uma aparência meio débil. Era ele quem lhe atirava o colchão de ar... O mesmo ar que lhe faltava. Ele... tudo o que havia de melhor no mundo, lhe estendendo o colchão de ar.
Ouviu um homem chamar seu nome. Um homem grande e com aspecto de urso. Ele entrou no mar e nadou até ela... Ela não podia mais nada além de ter um ar débil. O homem com jeito de urso alcançou sua mão. Disse a ela que foi só um susto. Sim, só um susto. Ele e o homem com jeito de urso, e a Grande Mãe. Sal. Sal no estômago. Não houve nada, não houve nada. Carregada até a orla. Não houve nada... Ela caminhando sem sentir, sentada na cadeira embaixo do guarda-sol.
Ninguém viu, ninguém percebeu. Conversavam todos muito felizes de muitas caipirinhas. O homem com jeito de urso lhe deu uma cerveja “Beba à sua saúde, não diga nada... Está tudo bem”. Estava tudo bem, ninguém viu... Tudo o que há de melhor no mundo. Ele lhe trouxe água de côco. Está tudo bem em Jurerê.

2 comentários:

petrucia finkler disse...

ah... que angústia. quase ser tragado pela Grande Mãe, não é nada, não é nada, mas é!

Devir disse...

Quê dor?, é essa, esse prazer
cá daqui, tão ilha, tão continente
orlado pelo sal, grande mãe
ás vezes o pai, depois a morte
assovia Bolero de Ravel, lento
inicialmente, nossa origem
lembranças, cavalo solto, a égua
trotando, crina ou cabelos, enfim
livres, a liberdade enfim de volta
nosso útero, nosso bruto, mundo

O que fazer?, uma performance, arte
ou construir, madeira, tijolo, água
ferro nas entranhas, longe do vento
o ar enferruja, vento enverga, dói
não, vamos brincar, rastejar, nadar
sob vidros, cristal líquido, marte
contenporâneo totem, pênis, tabu
vomitar o rei no aquário municipal
ventar, varrer, destelhar, apagar
as lúzes, as ilusões, e voltar
a grande mãe nos espera, desdançar