Só para lembrar: em 1993 meu
pai estava desempregado, e minha mãe se virava com os gastos da casa e dos
filhos. Porque o desemprego atingia altos índices, e chegou à nossa família...
à do vizinho, ao bairro todo. Não adiantava que meu pai soubesse disso. Ele
como a maior parte dos homens de sua geração, se sentia fracassado.
Também por essa época, a gente
usava duas vezes (ou quantas dessem) a mesma água da antiga máquina de lavar,
herdada da minha avó. Para economizar e porque só havia uma marca multinacional
de sabão em pó no mercado, e era cara. Não tinha essa de haver pequenos e
médios empresários, nem empresas genuinamente nacionais. Então, não havia nem
marcas nem preços a escolher. Nem emprego, como eu disse.
A gente se organizava muito
rigidamente com o ordenado da minha mãe, ia ao supermercado de manhã e comprava
dez itens do mesmo produto. Por quê? Porque havia o URV, e os produtos custavam
um preço de manhã, um à tarde e um à noite, sempre mais caros. Por isso a gente
buscava estocá-los. E dez era a quantidade máxima que cada pessoa podia
comprar.
Fazer faculdade era um luxo
que não se destinava aos filhos da Dona Rose (minha mãe). Porque as universidades
estavam nos grandes centros, longe do interior. Não era possível se deslocar
até eles, sequer morar neles. Também não existiam cotas, nem FIES, muito menos
EAD: o contingente universitário restringia-se aos filhos de quem podia pagar
por boas escolas.
Porque eu estou fazendo esse
panorama catártico da minha infância/adolescência? Não, não é para evocar
piedade. Mas porque esse historia não é só minha. Mesmo que pareça haver um
surto de amnésia rolando pela minha timeline. Ou de desconhecimento.
A galera que tem prisão de
ventre e põe a culpa na Dilma só pode desconhecer a situação em que vivíamos a
20, 15 anos atrás. Ou então, passou por uma melhora financeira tão grande que,
numa síndrome de vira-latas, procura negar o que aconteceu.
O índice de desemprego
despencou, nossos aeroportos estão LOTADOS, as pessoas têm gasto os tufos para
assistir a musicais ruins de padrão importado, compram Ipods, trocam de
computador, de mobília, de carro como quem troca de roupa e, ainda assim,
entoam o "Tudo vai mal".
Não estou dizendo que tudo
está às mil maravilhas. Quem, como eu, fez a infeliz escolha de trabalhar com arte
e com educação, sabe a desgraça de ter de ensinar, a cada ano, as funções do
ponto final, vírgula, sujeito, verbo e predicado, antes de poder captar
qualquer esboço de ideia nos textos de seus alunos. Ou de insistir que os
fenômenos artísticos não se regimentam nem se resumem ao gosto pessoal. Mas
quem pode duvidar de haver algum valor em lecionar para alguém do
Pirapozinho, Mandaguari, Louveira?
Claro, a melhora no poder
aquisitivo não é sinônimo de melhora no desenvolvimento humano. Vide o esvaziamento
concreto que algumas vidas sofreram com a derrocada do time brasileiro na Copa.
Ainda temos muito que caminhar em direção à autonomia e à maturidade. Mas,
sinceramente, o tema das reclamações sequer roça esse ponto.
Então, por favor: a menos que
seu aborrecimento seja por ver a gente pobre de 93 ocupando os mesmos espaços
que você (e se assim for, desconsidere esse texto, nós não temos porque
conversar), pense um instante antes de reproduzir um discurso tosco, coxinha
mesmo. Ah, sim: e nunca é demais procurar saber quais são as jurisdições
federais, do Estado e do Município antes de bradar sua insatisfação com "o
governo".E para aqueles que desejam saber o desfecho da minha historinha: meu pai hoje está para se aposentar. Minha mãe, que fazia quitutes para engordar o orçamento, agora tem seu próprio restaurante. E eu estou fazendo doutorado em uma e lecionando em outra universidade pública.
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