Por que, afinal,
ocupar-se de um evento dedicado a uma linguagem algo flutuante e que deixa a formulação
“retorno financeiro” com ares de piada? Em outras palavras, para que fazer
Festivais de Apartamento e, mais ainda, para que fazê-los, deliberadamente, sem
fomento de quaisquer instituições?
Porque é
possível.
E, uma vez que
esse tipo de argumento seja tão geral que sirva como justificativa às mais
delinquentes atrocidades cometidas pela raça humana, se coloca a obrigação de
explicar.
Os Festivais de
Apartamento são efêmeros, pequenos e gozam de uma saudável inexistência. Entre
uma convocatória e outra, jazem felizes no esquecimento enquanto exibimos no
blog o registro da edição anterior. Cada edição tem a duração de uma noite
apenas, e nós não somos capazes de abrigar muito mais do que 25 ações. Estes
eventos se realizam em casas de pessoas que se dispõem a recebê-los, não em
galerias. Não há eleição curatorial: todo inscrito, independentemente de em que
ponto se encontre de sua trajetória performativa, torna-se participante no ato
da inscrição, e é inteiramente responsável pelas demandas de sua ação. E não,
não há ajuda de custo, hospedagem, alimentação ou traslado. Obviamente, não
emitimos certificados, nem dispomos de chancela. Ou seja: somos uma grande celebração do
esdrúxulo, das coisas que não cabem, do que não faz sentido dentro de uma lógica
assertiva.
Antes. Não se
trata de se contrapor ao formato dos editais, ainda que eles existam em
quantidade menor que nossa capacidade criativa, e que não contemplem a
diversidade dela. Ainda que seja necessário contar com certa obtusidade de
algumas bancas ou escrever de modo que haja brechas em que pesem o gosto do
curador e o que desejamos fazer de fato.
Menos ainda se
trata de entender a arte e o artista fomentados como menores, menos pungentes
ou qualquer blábláblá chique e eufemista que denote inferioridade. E, por
favor, absolutamente, não se postula um revival hippie que pretenda desfazer-se
dos bens materiais, viver de amor em algum lugar paradisíaco e dar adeus à crudelíssima
sociedade capitalista.
Embora haja o
entendimento de que ser artista é um modo de ser no mundo quase sempre inquieto
e desestabilizador do status quo e, por isso mesmo, embebido de determinada
ética e posicionamento político, ainda não perdemos a dimensão de que é
necessário, antes de qualquer coisa, encontrarmos meios de nos sustentar. Sim,
nós ainda não estabelecemos tamanha conexão com o Cosmos que tenhamos
transcendido a matéria e as necessidades básicas da vida. E queremos ainda e,
legitimamente, fluir aquelas que estão além do básico.
Os Festivais de
Apartamento não foram inscritos em editais porque, até o momento de suas doze
edições, foi possível que se portasse assim. E só isso é o suficiente para
alimentar a utopia de seus organizadores. Quantas coisas se conhecem no mundo
cuja diretriz primeira não seja a lucratibilidade? Exatamente. Aquelas de que somos
saudosos porque impraticáveis em sua maioria.
Esse formato não
diz respeito somente à geração de um território para empreender ações
performativas, embora venha contemplando essa solicitação de modo relativamente
satisfatório. Nos os realizamos assim por percebermos nessa forma de existir
algumas premissas que nos são caras.
Há um feixe de vontades e concreções implicado
no fazer Festival de Apartamento no qual se localiza, por exemplo, nosso
desejo de trocas reais com nossos pares, o que só é possível se mantivermos um
número de participantes humanamente visitáveis. Além do que, reside nesse
formato nossa resistência ao apelo apoteótico do mundo, nossa agonia com a vida
telemática, nosso desdém pela postura do artista “iluminado”, detentor da
tecnicidade e do código que o colocam no pedestal da genialidade, nossa
tentativa de descentralizar a arte, expressa na itinerância dos Festivais. E
tantas outras coisas de que nos vemos carentes ou enfadados e tentamos exercitar
na organização desses eventos.
Nada de novo se
afirma nesse enunciado, assim como ele não pretende ser a solução definitiva
para as questões que orbitam pelo fazer performativo. É só uma forma que encontramos
de manter viva a utopia. Nisso temos sido endossados por artistas que, cientes ou
não desse levante, têm se deslocado às próprias expensas em direção a umas
noites que parecem suspender o estabelecido.
2 comentários:
Eu tenho um orgulho grande em ter participado do Festival, foi muito importante para minha trajetória.
E olhe, me bate um sentimento bom em te ler aqui agora...
Beijo gigante Lu!!!
Quando participei, lembro, foi impressionante. de fato minha virgindade performativa teria ali saído, parido. A Casa Subversiva, as pessoas, a atmosfera.
Tem um lugar muito especial no meu corpo esse Festival e sempre que puder irei, de corpo aberto para toda a poesia que há!
"Que seja doce" estava escrito na janela da cozinha...
Gratidão!
Ass: Outrinho
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