Antes de
qualquer coisa é necessário dizer que esse texto não pretende integrar o “Clube
da Luluzinha” e se colocar contra os homens simplesmente porque eles pertencem ao
sexo masculino. Há tempos me preocupa que a denúncia ao patriarcado se transforme
em ojeriza aos homens, indiscriminadamente.
Em
contrapartida, é bom esclarecer que entendo o feminismo como absolutamente
necessário e a igualdade entre os gêneros e – por que não a indistinção entre
eles? – como algo a que se dedicar cotidianamente.
A questão de que
me ocupo é outra. Dessas cabeludas, que habitam os entremeios. Talvez seja a
detecção de uma perspectiva tão melancólica quanto real: nós, mulheres tendemos
a não termos pares (masculinos).
Essa conclusão
algo apocalíptica não se refere ao amor romântico, “para sempre” e banhado em
declarações exuberantes. Parto da premissa ideal de que, com muito empenho, tenhamos
conseguido subverter nossa educação para Cinderela e sejamos capazes de
compreender os romances, as telenovelas, os filmes e os happy ends em geral como fábulas.
Falo de uma
condição palatável, na qual relacionar-se tem a ver, por exemplo, com
equacionar desejos e faltas, maus-humores, euforias, manias, preguiças, calos, apelidos
carinhosos, medos, projeções, jeitos peculiares de sentir, falar, olhar.
A maturidade, os
rompimentos e a consolidação das carreiras profissionais são alguns dos motivos
pelos quais o amor passa de “a coisa mais importante na vida” para “uma das
coisas importantes” a que nos dedicamos. Não há angústias sobre isso. Ao contrário:
a idealização é que é carrega impedimentos. Mas mesmo aí, nesse patamar, o amor
parece impraticável.
Isso porque, em
algum ponto, os casais esbarram numa espécie de limbo: nós, mulheres, nos
livramos da obrigação de acompanhar nossos companheiros se isso implicar em
abrir mão da trilha que escolhemos. Porém, nossos companheiros, de antemão, não
nos acompanham em nossas buscas. E aqui chegamos à inquietação que produz esse
texto.
As mulheres têm
sido a parte do contrato que tende à manutenção, à acumulação e à estabilidade.
Entre outras coisas, porque somos nós a engravidar: detemos a prerrogativa de “produzir”
um corpo a partir do nosso. Para tal, tendemos a buscar por algum índice – ainda
que mínimo – de bem-estar físico-psíquico-material. E é bom que isso seja
conquistado o quanto antes. Afinal, os óvulos não permanecem saudáveis para
sempre.
Já os homens
moram no tempo: ficam mais atraentes conforme a idade e a experiência. Devem perseguir
seus objetivos, mesmo que isso implique em alguma variação de suas condições de
vida. Deles se espera uma vivacidade tácita que lhes lance no mundo e os faça
aprender a lidar com as situações mais improváveis. Constituir família, para
eles, não é uma urgência, mas um descanso, um depois.
Certo? Não
exatamente. Para ambos os sexos.
O fato é que há
um crescente empoderamento das mulheres no que tange ao cuidado de si e à fluência
de uma vida plena. A maternidade e a fundação familiar deixam de ser o
sacramento da realização feminina e se fundam como possibilidades entre muitas.
Nós temos nos colocado em abertura, explorado uma série de limites que se
referem desde à nossa sexualidade até trocar a resistência do chuveiro.
Esse panorama
que faria de nós “as” companheiras, na acepção mais deliciosa do termo, configura-se
como uma conquista solitária. Porque enquanto isso, os homens parecem querer
cada vez menos.
Eles não estão a
fim de ir ao cinema, de visitar os amigos, de testar um novo caminho, outra
maneira de fazer a mesma coisa. Estão parados, e se aborrecem se insistimos em
que se movam. O “não” é sua primeira resposta e, se mudam de ideia, quase
sempre, o fazem pelo cansaço mais do que pela força de nossos argumentos. Eles
não estão dispostos a discutir. “Acham tudo deja
vu, mesmo antes de ver”.
Isso não é um
projeto de ridicularização do masculino, é um lamento. Assim como eles lamentam
que em algum ponto a gente desista. E bem, por amor próprio, cansaço ou
insubordinação, a gente acaba desistindo mesmo.
Um amigo, ciente de sua inércia habitual, me
confidenciou dia desses: “Fico pensando nas mulheres incríveis que passaram pela
minha vida e eu não fui capaz de acompanhar”. Da mesma forma, bom amigo, nós
sentimos muito que vocês não tenham se dignado a olhar para fora com suficiente
curiosidade.
Claro, há algum
contentamento em desafiar-se a fazer sozinha uma série de coisas,
principalmente porque algumas delas, até bem pouco tempo, não eram facultadas
às mulheres. Mas a autossuficiência, ao menos para mim, está longe de ser uma
perspectiva feliz.
2 comentários:
Seu post me remete ao mito de Prometeus, e seu irmão, Epimeteu, no conflito que travam os irmãos com Zeus, e que, em uma parte, Prometeu entrega o fogo à civilização ("aos homens").
Zeus astutamente presenteia o irmão, Epimeteu, com a coisa mais bela que ela já viu, uma mulher, Pandora. E junto, um jarro (a famosa "caixa de pandora") e o proíbe de abrir. Quando Epimeteu, sob influencia de sua esposa, abre o jarro, saem todas as desgraças da humanidade, sobrando apenas a esperança.
Vale a pena procurar o mito.
Obrigado pelo texto lúcido.
Obrigada pelo comentário. Geralmente, quando se trata de um post anônimo, chega a dar um friozinho na espinha: as pessoas usam esse mecanismo para serem grossas, quase sempre. Vou buscar pelo mito. Mas, veja, não sei se você está querendo ressaltar esse aspecto, talvez não. Porém cumpre dizer também Pandora é índice do feminino cruel, arrasador, normativo. É bem contra essa imagem que tento me opor.
Postar um comentário