quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Isso é arte?!

“Performance”, do inglês, está quase sempre atrelada ao “bem fazer” algo. E se conecta ao universo dos atletas, das máquinas, do desempenho sexual, do “show”. Por isso mesmo, há, entre os artistas da performance, quem busque por outros termos para se referir a ela. E quem milite para que essa nomeação seja entendida principalmente como algo referente à arte.

Ainda que se conquiste o ideal da performance subentendida como arte, sua amplitude abarca, do mesmo modo, distribuir papéis em branco nas ruas, travestir-se e dublar músicas numa boate, receber voluntariamente um tiro, construir e acoplar a si um terceiro braço, suspender-se por ganchos na pele, impor-se restrições vitais como passar um ano sem sair de casa e sem se comunicar, ou empreender rituais fetichistas de dominação e sujeição. Os exemplos e a diversidade se expandiriam tanto que me seria impossível terminar este texto.

O meu encantamento com a performance reside justamente neste paradoxo: ela não obedece a uma forma e, embora se possam detectar alguns dispositivos comuns às ações que se abrigam sob esse nome, seria ingênuo falar sobre uma “técnica” de performance. Ao mesmo tempo, e em decorrência desssa característica aberta, é comum que os artistas de performance sejam confrontados com formulações como “Isso é arte?”, “O que isso significa?”, “O que você quis dizer com isso?” ou “Mas isso até eu faço!”.

Além da irritação ou divertimento que estas frases podem causar, elas carregam uma série de concepções que a performance e a arte contemporânea em geral desestabilizam. O “isso” está pautado no bem fazer, na representação e linearidade do discurso que “quer dizer” algo “através” de algo, na concepção do artista como virtuose e, portanto, situado num patamar superior ao homem comum.

Estas frases nos permitem chegar mais perto não de uma definição, mas de um conjunto no qual a performance opera. Ainda que hajam processos criativos bastante rigorosos (e outros mais maleáveis), performar parece estar ligado a um modo de vida idiossincrático, de reinvenção a partir do sublinhamento daquilo que se entende por normalidade.

Neste fazer artístico, ressaltam-se traços do hábito que o tornam questionável. A performance cria uma realidade outra, na qual a lógica vigente não é senão a sua própria. No contexto, sim, “isso é arte”, mas enquanto firmada no jogo tácito entre o performer e o olhar – envolvimento e disponibilidade – daqueles a quem participa suas ações.