quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Para minha tia Cláudia, com carinho: resposta à carta aberta de José Danon para Chico Buarque

“Peço que leiam até o final. Depois coloquem a consciência no travesseiro e tirem as suas conclusões”.

José Danon

"Chico, você foi, é e será sempre meu herói. Pelo que você foi pelo que você é e pelo que creio que continuará sendo. Por isso mesmo, ao ver você declarar que vai votar na Dilma “por falta de opção”, tomei a liberdade de lhe apresentar o que, na opinião do seu mais devoto e incondicional admirador, pode ser uma opção.
Eu também votei no Lula contra o Collor. Tanto pelo que representava o Lula como pelo que representava o Collor. Eu também acreditava no Lula. E até aprendi várias coisas com ele, como citar ditos da mãe. Minha mãe costumava lembrar a piada do bêbado que contava como se tinha machucado tanto. Cambaleante, ele explicava: “Eu vi dois touros e duas árvores, os que eram e os que não eram. Corri e subi na árvore que não era aí veio o touro que era e me pegou.” Acho que nós votamos no Lula que não era aí veio o Lula que era e nos pegou.
Chico, meu mestre, acho que nós, na nossa idade, fizemos a nossa parte. Se a fizemos bem feita ou mal feita, já é uma outra história. Quando a fizemos, acreditávamos que era a correta. Mas desconfio que nossa geração não foi tão bem-sucedida, afinal. Menos em função dos valores que temos defendido e mais em razão dos resultados que temos obtido. Creio que hoje nossa principal função será a de disseminar a mensagem adequada aos jovens que vão gerenciar o mundo a partir de agora. Eles que façam mais e melhor do que fizemos, principalmente porque o que deixamos para eles não foi grande coisa. Deixamos um governo que tem o cinismo de olimpicamente perdoar os“companheiros que erraram” quando a corrupção é descoberta.
Desculpe, senhor, acho que não entendi. Como é mesmo? Erraram? Ora, Chico. O erro é uma falha acidental, involuntária, uma tentativa frustrada ou malsucedida de acertar. Podemos dizer que errou o Parreira na estratégia de jogo, que erramos nós ao votarmos no Lula, mas não que tenham errado os zésdirceus, os marcosvalérios, os genoinos, dudas, gushikens, waldomiros, delúbios, paloccis, okamottos, adalbertos das cuecas, lulinhas, beneditasdasilva, burattis, professoresluizinhos, silvinhos, joãopaulocunhas, berzoinis, hamiltonlacerdas, lorenzettis, bargas, expeditovelosos, vedoins, freuds e mais uma centena de exemplares dessa espécie tão abundante,desafortunadamente tão preservada do risco de extinção por seu tratador. Esses não erraram. Cometeram crimes. Não são desatentos ou equivocados. São criminosos. Não merecem carinho e consolo, merecem cadeia.
Obviamente, não perguntarei se você se lembra da ditadura militar. Mas perguntarei se você não tem uma sensação de déjà vu nos rompantes de nosso presidente, na prepotência dos companheiros, na irritação com a imprensa quando a notícia não é a favor. Não é exagero, pergunte ao Larry Rother do New York Times, que, a propósito, não havia publicado nenhuma mentira. Nem mesmo o Bush, com sua peculiar e texana soberba, tem ousado ameaçar jornalistas por publicarem o que quer que seja. Pergunte ao Michael Moore. E olhe que, no caso do Bush, fazem mais que simples e despretensiosas alusões aos seus hábitos ou preferências alcoólicas no happy hour do expediente.
Mas devo concordar plenamente com o Lula ao menos numa questão em especial: quando acusa a elite de ameaçá-lo, ele tem razão. Explica o Aurélio Buarque de Hollanda, seu tio,que elite, do francês élite, significa “o que há de melhor em uma sociedade, minoria prestigiada, constituída pelos indivíduos mais aptos”. Poxa! Na mosca. Ele sabe que seus inimigos são as pessoas do povo mais informadas, com capacidade de análise, com condições de avaliar a eficiência e honestidade de suas ações. E não seria a primeira vez que essa mesma elite faz esse serviço. Essa elite lutou pela independência do Brasil, pela República, pelo fim da ditadura, pelas diretas-já, pela defenestração do Collor e até mesmo para tirar o Lula das grades da ditadura em 1980, onde passou 31 dias. Mas ela é a inimiga de hoje. E eu acho que é justamente aí que nós entramos.
Nós, que neste país tivemos o privilégio de aprender a ler, de comer diariamente, de ter pais dispostos a se sacrificar para que pudéssemos ser capazes de pensar com independência, como é próprio das elites - o que, a propósito, não considero uma ofensa -, não deveríamos deixar como herança para os mais jovens presentes de grego como Lula, Chávez, Evo Morales, Fidel - herói do Lula, que fuzila os insatisfeitos que tentam desesperadamente escapar de sua “democracia”. Nossa herança deveria ser a experiência que acumulamos como justo castigo por admitirmos passivamente ser governados pelo Lula, pelo Chávez, pelo Evo e pelo Fidel, juntamente com a sabedoria de poder fazer dessa experiência um antídoto para esse globalizado veneno. Nossa melhor herança será o sinal que deixaremos para quem vem depois, um claro sinal de que permanentemente apoiaremos a ética e a honestidade e repudiaremos o contrário disto.Da mesma forma que elegemos o bom, destronamos o ruim, mesmo que o bom e o ruim sejam representados pela mesma pessoa em tempos distintos.
Assim como o maior mal que a inflação causa é o da supressão da referência dos parâmetros do valor material das coisas, o maior mal que a impunidade causa é o da perda de referência dos parâmetros de justiça social. Aceitar passivamente a livre ação do desonesto é ser cúmplice do bandido, condenando a vítima a pagar pelo malfeito. Temos opção. A opção é destronar o ruim. Se o oposto será bom, veremos depois. Se o oposto tampouco servir, também o destronaremos. A nossa tolerância zero contra a sacanagem evitará que as passagens importantes de nossa História, nesse sanatório geral, terminem por desbotarem na memória de nossas novas gerações.
Aí, sim, Chico, acho que cada paralelepípedo da velha cidade, no dia 3 de outubro, vai se arrepiar.
Seu admirador número 1,
Zé Danon

José Danon é economista e

consultor de empresas


Olá, tia.

Confio nas suas melhores intenções para me enviar este texto, e espero que você receba o que escrevi também com as melhores intenções. Tenho medo de contrariar pontos de vista, especialmente daqueles que amo, porque em nossa cultura, discordar é sinônimo de ofender, e não é esse o meu propósito. Então, em nome do diálogo saudável e da livre troca de idéias, coloco aqui algumas ponderações sobre determinados aspectos do texto de José Danon.
Não acho que votar no Serra seja diferente em termos de corrupção. Não sou "deslumbrada" com o PT, e tenho plena consciência de houve muita roubalheira em sua gestão. A questão é que não me lembro (e aqui tenho a desvantagem da pouca idade) de uma administração que não tenha sido marcada pelos escândalos midiáticos. A diferença é que no caso do PT, estas coisas vieram à tona, enquanto que, no governo FHC (PSDB), estavam sempre botando panos quentes. De repente, é por isso que a gente tem a impressão de que eles eram mais honestos.
Depois, num país como o nosso, com tanta gente vivendo abaixo da linha da pobreza, eu não tenho muito orgulho de me identificar com a definição de "elite" dada por este texto, não me importa de quem seja (se do tio do Chico, por exemplo). Não estou dizendo que devemos ter culpa dos méritos financeiros que conseguimos conquistar, nem que devemos ter um ataque de São Francisco e distribuir tudo o que possuímos aos pobres. Mas é preciso ter consciência de que, se tanta gente ainda passa fome e nós podemos gozar de alguns benefícios, então, possivelmente o que sobra para nós falta para alguém, não?
Tem uma coisa que o Danon diz que, definitivamente, não dá para concordar : não foi a elite quem lutou contra a ditadura. A elite estava muito bem, obrigada, com o regime ditatorial, que não só blindava os seus bens, como lhe permitia um acúmulo econômico muito maior do que ela consegue hoje (graças à não perfeita, mas importante distribuição de renda que vem acontecendo no país).
Depois, Evo, Fidel e Cháves estão longe de serem os heróis do Lula. Uma das maiores críticas que os intelectuais de esquerda (muitos deles, elite, inclusive) fizeram ao Lula foi a de que ele "traiu" uma suposta imagem de guerrilheiro socialista.
Agora... é preciso considerar que estamos falando de relações internacionais, não de moleques jogando bola. Não se pode simplesmente ignorar estes ou quaisquer países e suas lideranças: o presidente é, antes de tudo um diplomata.
A tônica do texto diversas vezes recai na responsabilidade que a geração anterior tem em deixar para as outras valores como a honestidade. Tia, você sabe quais são os meus valores, inclusive ideológicos. E foram vocês que me deram, mais do que os meus pais. E é justamente baseada nestes valores que eu não poderia votar no Serra.
E não, nós não precismos "testar" o que seria seu governo para depois "destroná-lo" se não der certo.Nós sabemos o que foi o governo FHC, e seu grande trunfo, sem dúvida foi a estabilização da moeda brasileira com a implantação do Real. Mas nós perdemos grandes patrimônios em seu governo também, inclusive intelectuais: a venda da Vale provocou a migração de muitos cientistas para outros países. Isso é um capital intelectual que nós não recuperaremos em algumas gerações.
Eu adoro o Chico também, assim como o José Danon. Mas não é porque ele apóia a Dilma que eu voto nela: senso crítico é uma coisa que a gente desenvolve sozinho. Aliás, acho que esse seja um dos grandes problemas brasileiros, o comportamento de bando. Nós estamos sempre procurando por alguém que nos diga o que é "certo" ou "errado", e nesse jogo ganha mais seguidores quem tiver a melhor oratória. O problema é que nem sempre a melhor é a mais idônea.
É isso, tia. E é como eu disse. Não se trata de discordar pessoalmente de você, mas de sentir a liberdade de responder ao texto que você me enviou, assim como você se sentiu livre para enviá-lo.
Uma braço forte.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Lua



a Lua entra pelo meio
dos poros,
e os sete buracos redondos.
os da cabeça e os do sexo.
arredonda o ventre e os ângulos,
faz tudo em volta flutuar macio,
sem direção.