domingo, 31 de agosto de 2008

Mansa



Me deram uma folha em branco para que eu declarasse a próprio punho o motivo de minha saída. Respirei fundo e paralisei, amedrontada com a imersão repentina numa liberdade impensada. Eu teria tanto a dizer. Eu disse tanto, tantas vezes, a quem não podia mais do que ouvir.
Perguntei à mulher atrás do balcão - negra, trinta e poucos anos e meio, funcionária pública e um olhar de gado cabisbaixo - o que eu devia escrever. Ele me ofereceu um modelo, que eu copiei: nome, RG, colégios e aulas das quais eu abdicava, e o motivo. "O faço por motivos particulares".
Cheguei a começar a escrever os motivos reais, ia escrever "choque de ideais" ou "choque com a administração", seguido de "condições inadequadas/insalubres", mas parei no "cho". Cloquei-o entre parênteses e passei-lhe um risco no meio. Fiz com esse "cho" o mesmo que com tudo o que eu teria a dizer, e me senti sendo conivente, covarde,(coagida?), qualquer coisa nessa região entre a garganta e o peito.
Pensei em J.D.R, em sua acertividade, no que ele teria feito ou dito, em como ele "mostraria para eles"... E me lembrei de uns dias quentes em que eu o vi calar para permitir que as coisas ficassem como são.
Logo eu estava preocupada com o que seria agora, sem este, até então, maldito emprego. Alguma coisa saiu errado: a sensação de liberdade que eu havia imaginado sentir, a força que eu supunha ter esse ato, a coragem, tudo isso passou a ser medo das conseqüências.
Já no ônibus, deixei de descer para, ainda que gentilmente, cobrar do motorista o seu atraso. Assim como deixei de mudar de poltrona ou de olhar feio para o adolescente atrás de mim acompanhando com os pés a música alta em seu MP3. Deixei mesmo de puxar a cortina para esconder o sol batendo no meu rosto.
Fiquei no mesmo lugar, com minha bunda esparramada confortavelmente e assoando o nariz, enquanto era levada para casa. Tenho a impressão de que crescer é , antes de tudo, tornar-se um completo manso.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Nojo



Oh, queriiida, vamos lamber feriiida?
Ferida não me seduz, prefiro uma caneca de pus
Pus não se bebe na caneca, que tal chupar meleca?
Vamos comer catarro debaixo do carro?