Há hoje um consenso sobre inserção dos meios de comunicação de massa nos aspectos mais generalizados da vida, incluindo aqueles que se relacionam aos nossos valores e subjetividade. Os media detém a disposição de toda produção sígnica inerente ao homem. Eles passaram a regular a veiculação, criação e a legitimação da cultura. Não, claro, sem se expor a uma espécie de caos e imprevisibilidade daqueles conteúdos que não se deixam captar facilmente.
Conforme pontuado por Lypovetsky (2010), a cultura tornou-se moeda, e seu valor de troca é algo com que os Estados passam a se ocupar cada vez mais, dado que, também dela, depende sua hegemonia. Sob este ponto de vista, a cultura travestiu-se em “cultura-mundo[1]”.
Porém, longe de ser irreversível ou impossível de transpor, mesmo lançando mão de mecanismos que alcançam e saturam nossa percepção, a cultura-mundo tem sofrido interferências substanciais ao longo dos anos. Alguns exemplos estão na autonomia dos artistas, na criação de redes informais, e em sua resistência a um modo de organização que congrega mídia, arte e mercado. Estas são posturas que funcionam como uma espécie de ruído paralelo e desestabilizador.
Tratam-se, segundo Santos (2010), de emancipações sociais (no plural, porque diferentes umas das outras), que prevêem igualdade em operações cuja diferença pretende nos inferiorizar; e diferença, quando a igualdade tem por objetivo nos descaracterizar. O poder revolucionário da arte residiria em sua colaboração com este projeto[2].
Neste panorama, passamos entender a arte, e em especial a performance, como um fenômeno sobretudo comunicacional. Nos interessa sua habilidade em tecer conexões entre seus pares e, a partir destas conexões, produzir diferenças e igualdades em lugares e lógicas estabelecidos.
A partir deste deslocamento, nos debruçamos sobre o tema e, mais especificamente, sobre o trabalho de determinados artistas escolhidos, inegavelmente, segundo alguma afinidade estética ou de discurso. Todavia, estamos considerando também as estratégias que tais trabalhos utilizam para assegurar sua subsistência. A série “Estranho, um cara comum”, do performer Flávio Rabelo tem indícios do tipo de comunicação cara a esta pesquisa.
[1] Cultura-mundo significa fim da heterogeneidade tradicional da esfera cultural e universalização da cultura mercantil, que se apodera das esferas da vida social, dos modos de existência e da quase totalidade das actividades humanas. Com a cultura-mundo, alastra-se por todo o globo a cultura da tecnociência, do mercado, dos media, do consumo e do indivíduo com ela toda uma série de novos problemas, não só de âmbito global (ecologia, imigrações, crise económica, miséria do terceiro mundo, terrorismo, etc.), mas também existenciais. A cultura globalitária não é apenas um facto, mas, ao mesmo tempo, um interrogação profunda e inquieta sobre si mesma. É o mundo que se transforma em cultura e a cultura em mundo: é uma cultura-mundo (LYPOVETSKY, 2010, pp. 13-14).
[2] Trecho retirado de entrevista com o autor no site “O Globo”. A versão integral pode ser lida em: http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2010/07/23/boaventura-de-sousa-santos-fala-sobre-rap-global-310530.asp. Acessado em 12/01/2011
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