Eu voltei de Aracaju tem três dias. Foi
a segunda capital do Nordeste que eu conheci (a primeira foi Fortaleza) e ela
me deixou uma mistura de ressaca com nostalgia, talvez semelhante ao que a
gente sente quando experimenta o primeiro rompimento amoroso, aquele um que a
gente nem ousou beijar, mas só de segurar na mão já tinha princípios de
taquicardia.
Mesmo com seus ônibus
lotados e trânsito maluco, a capital sergipana tem algo de mágico,
especialmente se a gente conseguir se desgrudar da onda turística que prevê o
olhar apressado em mil atividades por dia, acumuladas em fotos e mais fotos sem
que nada nos atravesse de fato. Eu fiquei dez dias lá, e não fiz os passeios
que as agências de viagem tentavam me empurrar.
Comecei o namoro com Aracaju pelo Conjunto
Orlando Dantas, bairro da periferia. Lá milhares de famílias vivem em situação
de pobreza, não tem nenhum cartão postal e não é bom colocar o nariz de fora
depois das 20h. Eu tive medo e descobri com que porção de pobreza se faz uma
cidade turística. Entre os mercadinhos abarrotados de produtos dissonantes e
lanchonetes em que se vende lanche e refrigerante a R$7,50, descobri Aracaju de
todo dia. Lá as pessoas não usam capacete para andar de moto, nem cinto de
segurança nos carros. E não é só lá.
Caranguejo gigante |
Me mudei para um hostel a duas quadras
da “Passarela do Caranguejo”, na “Praia de Atalaia”, região que é marco do
turismo na cidade. Na tal passarela, um caranguejo descomunal, feito em fibra
de vidro, repousa feliz, sempre com turistas empoleirados e outros fingindo ser
capturados por suas pinças. E fotos, muitas fotos. Por toda a avenida há bares
onde se pode comer o bichinho, com direito a martelo e tábua para quebrar sua
casca. Mas só na época do caranguejo grande, que agora eles estão criando,
estão muito miudinhos. Não pode vender porque o bichinho nem tem carne. E se o
fiscal pegar, é multa. Explicou a garçonete de um dos bares, que é uma
gostosura de pessoa, assim como a maioria das que encontrei. Nessa via há
parques infantis a céu aberto, além dos monumentos aos poetas (um coletivo de
estátuas de bronze, cada uma numa posição e nenhuma mulher entre elas) e aos fundadores da comunidade (outro
coletivo de estátuas de bronze que supostamente tem um representante de cada
povo formador do Sergipe), e os lagos, onde há banquinhos onde se sentar e
fazer nada. Em toda essa região há ciclovias, e postos onde se pode alugar
bicicletas.
A simpatia é uma marca sergipana.
Facilmente as pessoas desviam do caminho para indicar a rua que você está
procurando e, em situações de compra, seguem conversando animadamente, mesmo
que você não leve nada. Numa das perambulações fomos a São Cristóvão,
uma cidade vizinha que abriga um Centro Histórico. Lá, comemos num restaurante
muito simples, mas igualmente bom. Tinha pimenta de cheiro e uma amiga comentou
que não encontrava essa espécie em São Paulo. A cozinheira veio até a mesa com
três pimentas e deu a ela, disse que era para levar e plantar. Assim, de amor.
São Cristóvão, foto divulgação |
São Cristóvão é a terceira cidade mais
antiga do país. Ela era a capital do Sergipe antes de Aracaju. Há uma coleção
de igrejas e por elas se pode ter alguma noção da divisão de classes desde o
século XVI. Lá está a Igreja dos Pardos que, obviamente, não podiam frequentar
as dos brancos. A cidade é bonita e tem ainda o ateliê do artista Nivaldo
Oliveira, que faz peças em xilogravura. Ele é um boníssimo papo e gosta de
explicar o processo de feitura das peças. É possível comprá-las a preços
acessíveis. Há lojinhas onde se vendem iguarias como licor de jenipapo e cocada
de forno e, ao menos quando fomos, os museus estavam quase todos fechados. A
cidade parece um pouco abandonada. Para chegar, tomamos um ônibus do Terminal
Atalaia ao Terminal Rodoviário e com a mesma passagem, tomamos outro para o
Centro Histórico de São Cristóvão.
No hostel formou-se um grupo bastante
especial que topou driblar as agências de viagem na ida à “Crôa do Goré”.
Tomando um ônibus circular do Terminal Atalaia, chegamos à “Orla Pôr do Sol”.
De lá saem os catamarãs, barquinhos que nos levam até a Crôa. Por R$20 se tem
direito a ir a voltar com eles.
Crôa do Goré foto divulgação |
A Crôa foi talvez o passeio mais
incrível que eu fiz. Sem dúvidas foi quando o amor ganhou força. Trata-se de
uma ilha no rio Vaza-Barris, que tem mangue. Conforme as horas passam, a maré
baixa e emergem bancos de areia com pequenas piscinas naturais. Nelas se pode
passar horas observando o balé dos caranguejos “chama-maré”, que têm um braço
só e entram e saem freneticamente dos buraquinhos na areia. Por causa deles as
aves também vão até lá, na tentativa de captura-los. Junte-se a isso tudo um
pôr do sol maravilhoso, tingindo as piscinas de laranja e vermelho.
Há um bar móvel atracado na Crôa que
vende bebidas e petiscos. Sua equipe mantém pequenos chalés com cadeiras
plásticas onde se pode passar o dia. Há aluguel de stand-up padlle mas
preferimos nadar no rio por nós mesmos. Aliás, por estar em contato com o mar,
sua água é bem salgada. O último catamarã sai às 17:30 e foi nesse que
voltamos, pegando ainda um pouquinho do pôr do sol na orla de mesmo nome. Lá há um bar chamado “Zodíaco”
que vende a melhor moqueca de camarão que eu já comi e pela qual valeu esquecer o temporariamente o vegetarianismo: com maxixe, acompanhada
de um pirão fantástico, vinagrete e arroz. O prato é para dois, mas serve três, e custa R$62. O dono é simpaticíssimo e chegou a sentar-se à mesa conosco
quando descobriu que alguns de nós éramos atores. Ele também.
De volta à Atalaia, fomos à “Casa de
Forró Cariri”, pertinho do caranguejo monstruoso grande. O bar tem dois
ambientes e no primeiro toca toda uma gama peculiar de músicas entre axé e samba. Ali, só
se paga pelo que consumir. Para entrar na casa de forró, passa-se por esse
ambiente e é preciso pagar R$25 por pessoa. A casa não estava cheia, mas era muito animada. Os
tocadores vêm às mesas tocar para nós e perguntam de onde viemos, colocando o nome do lugar na música. Como estávamos num grupo grande, fizemos toda a
folia possível, incluindo rodas de Côco de que a maioria das pessoas na casa
participou. No dia seguinte, duas das meninas do nosso grupo passaram em frente
ao lugar e um dos garçons as reconheceu. Ele perguntou se voltaríamos naquela
noite. Simpatia sergipana.
O passeio ao Mercado Municipal também é
possível tomando-se ônibus circular. São três prédios, cada um com uma especificidade de produtos.
Destaque para o Mercado dos Artesãos e a encantadora profusão de objetos de palha,
couro, madeira e algodão. Mas bom mesmo foi passar a tarde em um dos botequinhos
simples, dentro do mercado mais voltado
às comidas, tomando cerveja.
Mercado dos Artesãos |
Me mudei de novo, dessa vez para “Coroa
do Meio”, praia onde funciona o “Projeto Tamar”, esse sim, lamento por não ter
visitado. Fiz o meu primeiro passeio sozinha, até o “Museu da Gente Sergipana”.
Situado num casarão colonial, o museu é interativo e retrata a história,
geografia, flora, fauna e cultura dessa região, a entrada é gratuita e há monitores e monitoras em cada uma das salas. Destaque para o labirinto que
se ilumina à medida em que o visitante avança, e que traz áudios com a o
sotaque delicioso contando histórias folclóricas dali. Como a lenda de que o
sétimo filho homem da família, se não tomar uma série de cuidados,
transforma-se em lobisomem.
No museu há o “Café
da Gente”, que abriga exposição fotográfica temática, além de ser bastante aconchegante. Lá vendem-se comidas típicas, além de saborosos pratos a la carte.
Comi filé de pescada ao molho de manga com feijão fradinho e vinagrete. Fico
com a boca cheia d´água só de lembrar do prato.