domingo, 16 de junho de 2013

Apelo aos bons companheiros


Antes de qualquer coisa é necessário dizer que esse texto não pretende integrar o “Clube da Luluzinha” e se colocar contra os homens simplesmente porque eles pertencem ao sexo masculino. Há tempos me preocupa que a denúncia ao patriarcado se transforme em ojeriza aos homens, indiscriminadamente.
Em contrapartida, é bom esclarecer que entendo o feminismo como absolutamente necessário e a igualdade entre os gêneros e – por que não a indistinção entre eles? – como algo a que se dedicar cotidianamente.
A questão de que me ocupo é outra. Dessas cabeludas, que habitam os entremeios. Talvez seja a detecção de uma perspectiva tão melancólica quanto real: nós, mulheres tendemos a não termos pares (masculinos).
Essa conclusão algo apocalíptica não se refere ao amor romântico, “para sempre” e banhado em declarações exuberantes. Parto da premissa ideal de que, com muito empenho, tenhamos conseguido subverter nossa educação para Cinderela e sejamos capazes de compreender os romances, as telenovelas, os filmes e os happy ends em geral como fábulas.
Falo de uma condição palatável, na qual relacionar-se tem a ver, por exemplo, com equacionar desejos e faltas, maus-humores, euforias, manias, preguiças, calos, apelidos carinhosos, medos, projeções, jeitos peculiares de sentir, falar, olhar.
A maturidade, os rompimentos e a consolidação das carreiras profissionais são alguns dos motivos pelos quais o amor passa de “a coisa mais importante na vida” para “uma das coisas importantes” a que nos dedicamos. Não há angústias sobre isso. Ao contrário: a idealização é que é carrega impedimentos. Mas mesmo aí, nesse patamar, o amor parece impraticável.
Isso porque, em algum ponto, os casais esbarram numa espécie de limbo: nós, mulheres, nos livramos da obrigação de acompanhar nossos companheiros se isso implicar em abrir mão da trilha que escolhemos. Porém, nossos companheiros, de antemão, não nos acompanham em nossas buscas. E aqui chegamos à inquietação que produz esse texto.
As mulheres têm sido a parte do contrato que tende à manutenção, à acumulação e à estabilidade. Entre outras coisas, porque somos nós a engravidar: detemos a prerrogativa de “produzir” um corpo a partir do nosso. Para tal, tendemos a buscar por algum índice – ainda que mínimo – de bem-estar físico-psíquico-material. E é bom que isso seja conquistado o quanto antes. Afinal, os óvulos não permanecem saudáveis para sempre.
Já os homens moram no tempo: ficam mais atraentes conforme a idade e a experiência. Devem perseguir seus objetivos, mesmo que isso implique em alguma variação de suas condições de vida. Deles se espera uma vivacidade tácita que lhes lance no mundo e os faça aprender a lidar com as situações mais improváveis. Constituir família, para eles, não é uma urgência, mas um descanso, um depois.
Certo? Não exatamente. Para ambos os sexos.
O fato é que há um crescente empoderamento das mulheres no que tange ao cuidado de si e à fluência de uma vida plena. A maternidade e a fundação familiar deixam de ser o sacramento da realização feminina e se fundam como possibilidades entre muitas. Nós temos nos colocado em abertura, explorado uma série de limites que se referem desde à nossa sexualidade até trocar a resistência do chuveiro.
Esse panorama que faria de nós “as” companheiras, na acepção mais deliciosa do termo, configura-se como uma conquista solitária. Porque enquanto isso, os homens parecem querer cada vez menos.
Eles não estão a fim de ir ao cinema, de visitar os amigos, de testar um novo caminho, outra maneira de fazer a mesma coisa. Estão parados, e se aborrecem se insistimos em que se movam. O “não” é sua primeira resposta e, se mudam de ideia, quase sempre, o fazem pelo cansaço mais do que pela força de nossos argumentos. Eles não estão dispostos a discutir. “Acham tudo deja vu, mesmo antes de ver”.
Isso não é um projeto de ridicularização do masculino, é um lamento. Assim como eles lamentam que em algum ponto a gente desista. E bem, por amor próprio, cansaço ou insubordinação, a gente acaba desistindo mesmo.
 Um amigo, ciente de sua inércia habitual, me confidenciou dia desses: “Fico pensando nas mulheres incríveis que passaram pela minha vida e eu não fui capaz de acompanhar”. Da mesma forma, bom amigo, nós sentimos muito que vocês não tenham se dignado a olhar para fora com suficiente curiosidade.

Claro, há algum contentamento em desafiar-se a fazer sozinha uma série de coisas, principalmente porque algumas delas, até bem pouco tempo, não eram facultadas às mulheres. Mas a autossuficiência, ao menos para mim, está longe de ser uma perspectiva feliz.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Sobre a necessidade de celebrar o esdrúxulo


Por que, afinal, ocupar-se de um evento dedicado a uma linguagem algo flutuante e que deixa a formulação “retorno financeiro” com ares de piada? Em outras palavras, para que fazer Festivais de Apartamento e, mais ainda, para que fazê-los, deliberadamente, sem fomento de quaisquer instituições?
Porque é possível.
E, uma vez que esse tipo de argumento seja tão geral que sirva como justificativa às mais delinquentes atrocidades cometidas pela raça humana, se coloca a obrigação de explicar.
Os Festivais de Apartamento são efêmeros, pequenos e gozam de uma saudável inexistência. Entre uma convocatória e outra, jazem felizes no esquecimento enquanto exibimos no blog o registro da edição anterior. Cada edição tem a duração de uma noite apenas, e nós não somos capazes de abrigar muito mais do que 25 ações. Estes eventos se realizam em casas de pessoas que se dispõem a recebê-los, não em galerias. Não há eleição curatorial: todo inscrito, independentemente de em que ponto se encontre de sua trajetória performativa, torna-se participante no ato da inscrição, e é inteiramente responsável pelas demandas de sua ação. E não, não há ajuda de custo, hospedagem, alimentação ou traslado. Obviamente, não emitimos certificados, nem dispomos de chancela.  Ou seja: somos uma grande celebração do esdrúxulo, das coisas que não cabem, do que não faz sentido dentro de uma lógica assertiva.
Antes. Não se trata de se contrapor ao formato dos editais, ainda que eles existam em quantidade menor que nossa capacidade criativa, e que não contemplem a diversidade dela. Ainda que seja necessário contar com certa obtusidade de algumas bancas ou escrever de modo que haja brechas em que pesem o gosto do curador e o que desejamos fazer de fato.
Menos ainda se trata de entender a arte e o artista fomentados como menores, menos pungentes ou qualquer blábláblá chique e eufemista que denote inferioridade. E, por favor, absolutamente, não se postula um revival hippie que pretenda desfazer-se dos bens materiais, viver de amor em algum lugar paradisíaco e dar adeus à crudelíssima sociedade capitalista.
Embora haja o entendimento de que ser artista é um modo de ser no mundo quase sempre inquieto e desestabilizador do status quo e, por isso mesmo, embebido de determinada ética e posicionamento político, ainda não perdemos a dimensão de que é necessário, antes de qualquer coisa, encontrarmos meios de nos sustentar. Sim, nós ainda não estabelecemos tamanha conexão com o Cosmos que tenhamos transcendido a matéria e as necessidades básicas da vida. E queremos ainda e, legitimamente, fluir aquelas que estão além do básico.
Os Festivais de Apartamento não foram inscritos em editais porque, até o momento de suas doze edições, foi possível que se portasse assim. E só isso é o suficiente para alimentar a utopia de seus organizadores. Quantas coisas se conhecem no mundo cuja diretriz primeira não seja a lucratibilidade? Exatamente. Aquelas de que somos saudosos porque impraticáveis em sua maioria.
Esse formato não diz respeito somente à geração de um território para empreender ações performativas, embora venha contemplando essa solicitação de modo relativamente satisfatório. Nos os realizamos assim por percebermos nessa forma de existir algumas premissas que nos são caras.
 Há um feixe de vontades e concreções implicado no fazer Festival de Apartamento no qual se localiza, por exemplo, nosso desejo de trocas reais com nossos pares, o que só é possível se mantivermos um número de participantes humanamente visitáveis. Além do que, reside nesse formato nossa resistência ao apelo apoteótico do mundo, nossa agonia com a vida telemática, nosso desdém pela postura do artista “iluminado”, detentor da tecnicidade e do código que o colocam no pedestal da genialidade, nossa tentativa de descentralizar a arte, expressa na itinerância dos Festivais. E tantas outras coisas de que nos vemos carentes ou enfadados e tentamos exercitar na organização desses eventos.
Nada de novo se afirma nesse enunciado, assim como ele não pretende ser a solução definitiva para as questões que orbitam pelo fazer performativo. É só uma forma que encontramos de manter viva a utopia. Nisso temos sido endossados por artistas que, cientes ou não desse levante, têm se deslocado às próprias expensas em direção a umas noites que parecem suspender o estabelecido.